RELATO DE CASO (Versão original)
Hipertensão pulmonar em um paciente com hipertireoidismo
Renato Niemeyer de Freitas Ribeiro1, Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro2
1 Médico Especializado em Cardiologia Clínica na Universidade Federal Fluminense. Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP). Niterói (RJ), Brasil.
2 Médico titulado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Brasil.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro. Niterói, RJ. Brasil.
Correspondência: Dr. Renato Niemeyer de Freitas Ribeiro
Estrada do Capenha, 1431 - Freguesia/Jacarepaguá - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil. CEP 22743041.
Telefone (21)99440394/ 33920678.
E-mail: renato.niemeyer@hotmail.com
Recebido: 22/11/2010
Aceitado: 30/03/2011
Resumo
Estudos recentes têm mostrado consistente associação entre anormalidades cardiovasculares e hipertireoidismo, chamando a atenção para a benignidade do quadro que costuma responder bem ao tratamento da doença tireoidiana. No presente artigo descrevemos caso de paciente do sexo feminino com hipertireoidismo tratado com radio-iodo, que evoluiu com hipertensão pulmonar, alteração valvar e fibrilação atrial, mostrando melhora significativa com uso de metimazol.
Palavras-chave: Hipertensão arterial pulmonar; Hipertireoidismo; Metimazol
Introdução
A hipertensão arterial pulmonar (HAP) (Grupo 1 da
Classificação de Veneza, 2003) é definida baseando-se
em critérios hemodinâmicos1: pressão média da artéria
pulmonar > 25 mm Hg em repouso ou > 30 mm Hg ao
exercício, com pressão capilar pulmonar ou pressão
do átrio esquerdo < 15 mm Hg e resistência vascular
pulmonar > 3 mm Hg • L-1 • s-1 ou 240 dina• s-1• cm-5. Já a
classificação atualizada no evento Dana Point, EUA (2008)
enquadra no grupo I, a hipertensão arterial pulmonar idiopática,
anteriormente denominada de primária, a hereditária
(BMPR2, ALKI, endoglin), a induzida por drogas/toxinas,
a relacionada a fluxo arteriovenoso sistêmico-pulmonar e
a hipertensão por persistência do padrão fetal da circulação
pulmonar2, introduzindo novos parâmetros hemodinâmicos
de valores para a pressão da artéria pulmonar, sendo eles:
normal < 21 mm Hg; limítrofe entre 21 e 25 mm Hg; e
hipertensão pulmonar manifesta >25 mm Hg3,4.
Existem vários indícios de que sua patogenia esteja relacionada,
inicialmente, ao fenômeno de vasoconstrição1,5.
O aumento do tônus muscular provavelmente se deve
a um fator principal: o desequilíbrio entre produção de
substâncias vasodilatadoras (prostaciclina e óxido nítrico
-ON-) e substâncias vasoconstritoras (endotelina
e tromboxane), devido à disfunção endotelial5,6. Outro
fator importante seria uma alteração do canal de potássio
voltagem-dependente nas células musculares lisas, cuja
inibição ativaria os canais de cálcio, levando a influxo
deste íon e vasoconstrição7.
O potencial para HAP grave relacionado a hipertireoidismo
não está bem definido, sendo propostos, como
principais mecanismos, a auto-imunidade associada com
dano endotelial; e aumento do metabolismo de substâncias
vasodilatadoras intrínsecas pulmonares1.
Outras anormalidades cardíacas também relacionadas ao
hipertireoidismo são: arritmias (p.ex.: fibrilação atrial) e
alterações valvares (p. ex.: regurgitação mitral e tricúspide,
prolapso de válvula mitral)8,9.
Descrevemos caso de paciente do sexo feminino com
quadro de hipertireoidismo em tratamento que evoluiu
com HAP, disfunção valvar e fibrilação atrial após terapia
com radio iodo.
Relato de caso
Paciente feminina, branca, 56 anos, solteira, natural de são Gonçalo, residente de Barreto, estado do Rio de Janeiro, encontrava-se em acompanhamento no ambulatório de endocrinologia do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) (Niterói, RJ. Brasil), quando em 31/03/2010, durante consulta de rotina, foi evidenciado edema generalizado, frio e duro, associado à queixa de cansaço aos esforços, surgidos há dois meses, após terapia com radio-iodo para hipertireoidismo (segundo a mesma, sintomas surgiram logo após o tratamento, evoluindo com piora progressiva desde então). As telerradiografias de tórax, realizada na véspera (30/03/2010 - Figuras 1 e 2), mostraram coração de dimensões aumentadas, aorta alongada, redução do espaço retroesternal por aumento de ventrículo direito e espondiloartrose dorsal.
Figura 1. Telerradiografia de tórax incidência póstero-anterior demonstrando
coração de dimensões aumentadas e aorta alongada.
Figura 2. Telerradiografia de tórax perfil demonstrando
redução do espaço retroesternal por aumento de ventrículo
direito, aorta alongada e espondiloartrose dorsal.
Foi realizado
eletrocardiograma (Figura 3) que mostrou fibrilação atrial
(FA) de tempo indeterminado.
Na mesma data foi internada na enfermaria de endocrinologia
do HUAP. No dia 09/04/2010 realizou ecocardiograma
mostrando aumento bi-atrial, ventrículo direito
aumentado (com hipertrofia e dilatação), regurgitação
mitral leve e tricúspide severa ao Doppler, pressão sistólica
de artéria pulmonar (PSAP) de 86 mm Hg. Evoluiu com
descompensação clínica, manifestando dispnéia de repouso
e ortopnéia, associada à FA intermitente e refratária,
sendo encaminhada para Unidade Coronariana (UCO)
em 12/04/2010.
Exame admissional na UCO evidenciava frequência cardíaca
(FC) de 130 bpm, ritmo cardíaco irregular, com propulsão
de ventrículo direito e hiperfonese de B2 (P2>A2),ausculta pulmonar com crepitações em terço inferior de
ambos hemitórax, e edema de membros inferiores.
Diagnosticada a HAP associada à hipertireoidismo, foi
iniciado tratamento de suporte e uso de metimazol. Paciente
evoluiu com boa resposta, mostrando melhora clínica e
ecocardiográfica, com os seguintes resultados no exame
realizado em 03/05/2010: volume de átrio direito: 56,83
ml (indexado: 33,42); volume de átrio esquerdo: 55,9 ml
(indexado: 32,88); relação E/E’ de 7; e PSAP de 49,76 mm
Hg (Figuras 4 a 12), sendo encaminhada para enfermaria
com posterior alta e acompanhamento ambulatorial.
Figura 4. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 5. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 6. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 7. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 8. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 9. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 10. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 11. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10).
Figura 12. Ecocardiograma pré-alta hospitalar (30-05-10). Mostra
como a veia cava inferior apresenta um colabamento menor que
50% com a respiração e diâmetro menor que 1,6 cm, soma-se 10
mm Hg ao valor de 39,76 mm Hg, tendo-se uma pressão sistólica
de artéria pulmonar de 49,76 mm Hg.
Discussão
Estudos mostram associação entre hipertireoidismo e
várias anormalidades cardíacas (por exemplo: fibrilação
atrial, hipertensão arterial pulmonar, regurgitação átrioventricular)8, sendo propostas algumas possibilidades para
tal, como aumento do rendimento cardíaco e aumento da
resistência vascular pulmonar8. O potencial para HAP
grave atribuível somente a tireotoxicose não está claro,
sendo a maior parte dos casos relacionados principalmente
com hipertireoidismo de etiologia auto-imune (Doençade Graves)1, embora outros estudos demonstrem a semelhança
de HAP em grupos com auto-anticorpos positivos
e negativos8, sendo proposta então a ação hormonal direta
como agente da gênese de HAP no paciente com hipertireoidismo6,7.
Também não se demonstrou correlação da HAP com sexo,
idade, causa do hipertireoidismo, presença de sintomascardíacos ou sistêmicos e sua duração, ritmo cardíaco ou
nível hormonal.
O tratamento com metimazol mostrou uma resposta mais
rápida em relação ao tratamento cirúrgico, no que diz
respeito a redução da pressão arterial pulmonar e regressão
das alterações cardíacas, sendo proposta sua ação na
produção de L-NANE (metil éster de Ng-nitro-L arginina,
um análogo da arginina) causando uma inibição aguda
da síntese de ON7. Grupos de pacientes tratados com
metimazol mostram pressão pulmonar menor que grupo
sem droga, sendo proposto que o mesmo influenciaria o
crescimento e maturação de células vasculares e no canal
de Ca++ ATPase; aumento do metabolismo vasodilatador
pulmonar; redução do metabolismo de vasoconstrição,
fatores estes também implicados na possível patogenia
da HAP1,7.
Conclusão
Tendo em vista a freqüência do hipertireoidismo e os indícios da ação hormonal sobre o sistema cardíaco, em especial no que se refere à pressão pulmonar, essa situação sempre deve estar em mente para quem for tratar um paciente com hipertireoidismo (ainda mais naqueles com fibrilação atrial e regurgitação átrio-ventricular, que cursam com níveis maiores de pressão pulmonar)8, sobretudo quando a proposta terapêutica for o uso de iodo radioativo, uma vez que ocorre grande liberação hormonal, neste tratamento, devido a destruição celular.
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